Evany Lira
Mas, há estupro se a relação é consentida? Sim. As leis brasileiras só consideram estupro a conjunção carnal ou ato libidinoso, mesmo consentido, com menor de 14 anos, ou com alguém acometido por enfermidade ou deficiência mental, que não pode oferecer resistência.
Mas, há países onde as relações sexuais consensuais com uma mulher a quem tenha feito promessa de casamento, e a abandona, são consideradas estupro. Pois, a mulher só consentiu na relação em razão do compromisso feito por seu parceiro. O consentimento se deu naquela condição, na busca do amor, da construção de uma família etc. É o chamado, pelas leis brasileiras, de estupro presumido.
A história da personagem central de Neide Lima está centrada nesta busca pelo amor. A autora afirma que sua personagem a confidenciou ser uma mulher que, em sua ânsia para encontrar o amor, tinha relações sexuais com vários parceiros.
Neide Lima diz que a narrativa da personagem é uma narrativa verdadeira, uma confissão de uma paciente, já em fase terminal, que fez questão de contar sua história para que ela fosse relatada a outras mulheres. “Ela falou dos seus medos, esperanças e decepções, fracassos e muitas tentativas em busca de um amor que ela nunca encontrou, embora tenha se violentado e se permitido violentar nessa procura”, afirma a autora.
A busca pelo amor e o encontro com a morte
Na busca pelo amor, violentando-se e se permitindo ser violentada, a mulher que deu origem ao livro, afirmou à autora ter encontrado com o vírus HPV, que lhe rendeu um câncer na garganta. A personagem confidenciou que seu câncer na garganta foi adquirido nas relações sexuais orais que fazia com vários parceiros.
Segundo relatos da personagem, o tratamento foi um processo doloroso, pois além da extração das amigdalas teve de passar por seções de radioterapia, quimioterapia e cauterização de verrugas que adquiriu na garganta.
Embora tenha realizado o tratamento oncológico e vencido o câncer na garganta, a personagem, aos 50 anos, ainda sem encontrar o amor, encontra a morte em um câncer generalizado. Desta vez, o câncer se manifestou nos órgãos femininos: útero, ovário e trompas de falópio. E, segundo a autora, sua personagem, neste momento, já tem consciência da morte.
“Neste instante de dor e reflexão, ela começa a fazer um relato completo de toda a sua vida, desde o nascimento até aquele momento. Uma narrativa verdadeira contando seus medos, esperanças e decepções, fracassos e muitas tentativas em busca de um amor que ela acreditava encontrar em algum lugar. Assim, ela vai se violentando e permitindo os seguidos estupros consentidos”, ressaltou a autora da obra.
Neide Lima conta que foi no leito do hospital que a mulher, já desenganada pelos médicos, contou-lhe toda sua história, com o pedido de que a socióloga relatasse sua história, com o fim de não deixar outras mulheres morrerem por não usar preservativo e nem fazer o exame Papanicolau. (o chamado exame preventivo).
A autora, a obra e a personagem
Neide Lima é socióloga, graduada e pós-graduada em Psicanálise, mestre em Política Públicas e cronista. Para ela, a publicação de “Estupros consentidos em nome do amor” é o cumprimento de uma promessa feita à sua personagem, quando a conheceu durante as visitas regulares que fazia a hospitais aos domingos.
A autora afirma: “Ela permitiu esses estupros, por isso o título do livro ‘Estupros Consentidos’”, ressaltou. Lima afirma que o fim doloroso e triste de sua personagem não a impede de ver beleza, apesar de tudo. “Cada capítulo mostra uma faceta de muitas mulheres que eu conheço”, conclui.
A autora, talvez com fundamentos na sociologia e na psicanálise, ultrapassou o que está positivado nas leis brasileiras, e se aproximou da jurisprudência de países como a Índia, onde, segundo noticiou a BBC, somente em 2016, foram 10.068 casos de estupro por pessoas conhecidas que prometeram se casar com a vítima.
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